segunda-feira, 9 de novembro de 2009

DESABAFO PROFÉTICO


Toda a gente fala da desgraça, toda gente já a sentiu e julga conhecer-lhe o carácter múltiplo.
No entanto, quase todos nos enganamos.
A verdadeira desgraça não é absolutamente o que pensamos, isto é, o que os desgraçados o supõem.
Para nós a desgraça está na miséria, no fogão sem lume, no credor que ameaça, no berço do qual o anjo sorridente desapareceu, nas lágrimas, no féretro que se acompanha de cabeça descoberta e com o coração despedaçado, na angústia da traição, na descoberta do orgulho que desejara envolver-se em púrpura e mal oculta a sua nudez sob os caminhos da vaidade.
A tudo isso e a muitas coisas se dá o nome de desgraça, na linguagem humana. Sim, é desgraça para os que só vêem o presente.
A verdadeira desgraça porém, está na consequência de um facto, mais do que no próprio facto.
A infelicidade pode estar na alegria, no prazer, no tumulto, na vã agitação, na satisfação louca da vaidade, que fazem calar a consciência, que sufocam a acção do pensamento, que atordoam o homem em relação ao seu futuro.
A infelicidade é o ópio do esquecimento que ardentemente procuramos conseguir. Superando com coragem os obstáculos do caminho, estaremos agindo como bravos soldados, que longe de fugirem ao perigo, preferem as lutas dos combates arriscados à paz que não lhes pode dar glória, nem promoção.
Que importa ao soldado perder no combate as armas, as bagagens e a farda, desde que saia vencedor e com glória?
Que importa ao que tem fé no futuro deixar no campo da batalha da vida a riqueza e o manto de carne, contanto que a sua alma seja digna e honrada.

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